quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Á procura de Deus III

Aqui certamente o leitor se lembrou de Paulo o apóstolo que escreveu seu dilema dizendo que o mal que ele não queria fazer esse sim fazia, mas o bem que ele desejava fazer esse não conseguia.

Paulo foi alfabetizado e educado em grego, escrevia em grego; era cidadão romano quando o Império Romano governava o mundo ocidental; era judeu muito devoto também. Imagine o choque cultural na cabeça desse homem o qual foi o primeiro teólogo cristão, mesmo sem ter conhecido a Jesus ou ter lido qualquer dos evangelhos, que foram escritos muito depois de sua morte.

Esse choque cultural e filosófico possibilita que ele produza uma teologia e pensamento complexos a respeito de “carne” e “corpo” e que a maioria dos filósofos cristãos de influencia platônica frequentemente ignoram disseminando uma mensagem tóxica que nos afasta da tradição hebraica e do Jesus histórico.

O termo hebraico para carne é “basar”, que significa: toda substancia vital dos homens ou animais, organizada em forma corpórea. Em hebraico qualquer parte do corpo pode ser usada para representar o todo. Enquanto os gregos colocavam o corpo contra a alma, os judeus não.

Enquanto para os gregos a matéria era um princípio de individuação, para os hebreus a personalidade era essencialmente social e a carne não separava as criaturas umas das outras. Pelo contrário, unia-as. O homem não tem um corpo, ele é um corpo, carne animada por alma, sendo o todo concebido como uma unidade psicofísica. Ou seja, o corpo é a alma em sua forma externa.

Para Paulo a carne (“sarx” em grego), é a substância carne comum a humanos e animais. Toda criação é carne e Deus é Deus de toda carne. Mas Deus não é carne, é espírito. Para garantir a unificação de carne e espírito, Deus se fez carne unindo assim de forma perfeita essas duas formas que pareciam antagônicas, mas que Cristo nos mostrou a possibilidade dessa perfeita relação que deve ser eterna.

É claro que parte do processo é buscar a Deus para poder entender e sofrer essa (metanóia), mudança de pensamento e atitudes, e se compadecer da criação a ponto de parar a destruição e restaurar a beleza e saúde do universo criado por Deus.

Ou será que é a vontade de Deus que suas criaturas morram de fome e sede? Que os homens sofram a falta de coisas primordiais á vida e vivam de modo subumano? Creio que estas são oportunidades mal aproveitadas pelos homens em promover o reino de Deus. Em seguir o exemplo de Cristo, mudando a realidade dos que com ele tinham algum contato.

Não é possível admitir que pessoas morram por falta de alimento e água num mundo onde há desperdício de ambos. Mas o pior é que pessoas não se compadecem de seus iguais, nem da natureza. Aqui entra o ser carnal que sequer cuida do seu igual carnal.

É comum ouvirmos que o amor à carne impede de sermos espirituais. Mas se amassemos mesmo a nossa carne cuidaríamos dela. Não seríamos obesos, fumantes, beberrões ou apáticos para com o sofrimento da nossa própria carne seja ela nosso corpo ou parte qualquer do universo.

A verdade é que não amamos a carne o suficiente nem mesmo para cuidar de nos mesmos, quanto mais da natureza ou das coisas do espírito que sequer podemos ver. Como poderemos amar a Deus que não vemos com nossos olhos carnais, se o que vemos não amamos e sequer cuidamos? O amor ao mundo nos impede de crescer espiritualmente? Amor a qual mundo? Não a este que frequentemente destruímos e detrimento de acumular riquezas.

A disseminação da idéia de odiar esse mundo é responsável em grande parte pela apatia dos que se dizem espirituais. Pois buscam “cuidar do que é espiritual” e abandonam o mundo a sua própria sorte.

Mas esquecem que aqui moram, vivem, e que sem ele não podem ser sequer alma vivente. A alma vive através do corpo, vive para dar vida a ele. A alma sem corpo é nada e o corpo sem alma é pó. E onde está o espírito no pó? De quais coisas espirituais podemos nos interessar sendo nós pó inanimado?

Se buscássemos verdadeiramente a Deus o encontraríamos e então saberíamos que Deus se manifesta e se dá a conhecer através da criação. Tudo o que se pode conhecer de Deus nos foi revelado por Cristo e pelo próprio Deus na criação. Mas como nos distanciamos de ambos, nada podemos saber ou conhecer de Deus.

E então todo universo se encontra sem esperanças, pois o agente restaurador de tudo somos nós em Cristo. Mas se não estamos em Cristo como poderemos cumprir nosso papel no universo?

Humanos e animais continuarão a morrer por falta de compadecimento por parte dos homens, que traduz na falta da satisfação de necessidades básicas como alimentação, água, e condições mínimas e dignas de existência.

Enquanto isso o homem esta a procura de Deus, mas parece-me que não para ser como Ele, mas para ser Ele. Enquanto o homem queria ser Deus, Deus se fez humano por amor ao universo que o homem consome e depreda em sua sede insaciável pelo poder e pela riqueza.

By Presbítero Fabrício Canalis

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